sábado, 9 de janeiro de 2010

hora de dar tchau

eu estava indo para uma reunião, a segunda, talvez a terceira, nem sei mais. as lembranças são assim mesmo, se embaralham e confundem nossas mentes. eu era novo na cidade, tinha feitos uns amigos estranhos: homens barbudos ou cabeludos, mulheres com saias enormes, todos com camisetas que falavam. como foi a reunião? não me lembro, parece que iríamos discutir sobre uns russos que fizeram alguma coisa importante no século passado, sei lá. daquele dia só me lembro de três coisas: um homem de cabelos longos encaracolados, que explicava as coisas lentamente e sempre olhava nos olhos, parecia querer saber se estávamos entendendo, samuel era o nome dele; um outro cara, tadeu, usava óculos e morava no lugar onde aconteceu a reunião, o CEU, que ficava dentro da RUA.

a reunião acabou e percorremos seus corredores, parecia um labirinto, até chegar ao quarto de tadeu. nem me lembro o que fomos buscar lá, só do primeiro olhar admirado com aquele mundo todo, eu imaginava aquele lugar como a grécia, só que sem escravos. um ano inteiro passou, eu também passei, entrei na universidade, era chegada a hora de dar mais um passo rumo a liberdade e a responsabilidade, era chegada a hora de sair, de entrar, de mudar, eu já tinha deixado a minha casa, o colo da minha mãe, agora o passo era maior, estava decidido, iria morar na RUA.

entrar foi fácil, fazer cara de pobre para quem viveu na pobreza não foi problema. pronto, estava dentro, faltava me apresentar aos senhores da RUA. chegando, um senhor de óculos, com camisa amarela me recebeu. Ele falava uma língua estranha, provavelmente um dialeto já extinto. o senhor entrou e perguntou por alguém de uma tal comissão. depois me apresentou a um homem magro e enorme, atendia pelo nome de george, que me explicou como funcionava a casa e me levou para um lugar que tinha até nome, chamava-se alojamento. entrei, escolhi uma cama com um colchão empoeirado, fininho, coloquei minhas coisas no chão e deitei.

foram quatro anos e alguns meses de tantas experiências que se me atrevesse a escrevê-las você provavelmente não as leria. lembro de meus companheiros de alojamento: paulinho, reginaldo, luciano, pisa-leve, pedro, cícero e por algum tempo um hóspede quadrado. lembro do primeiro convite para ir ao hiper, da primeira vez que tomei uma, ambas experiências protagonizadas por rangel. lembro dos olhares tortos e das conversas “esse é de certeza”, do primeiro show, com wilton e wilson, não, eles não eram uma dupla sertaneja que se apresentaria no show, e a dúvida indo para o balaio. lembro da greve de 2005 e das muitas vezes que me reuni com clenio, bruno, sim este rapaz com cara de melhor genro do ano já bebeu um belo punhado, e maicon para beber ouvindo forro. lembro das reuniões da penteios no quarto do paulo e do termo esgualifar nascer e virar música. lembro do convite do rafael para ir para o seu quarto e de como ele cuidou de mim quando fiquei doente. lembro de como a torcida do são paulo era odiada pela sua capacidade de fazer raiva, pobre paca, e da volta olímpica quando ganhamos o mundial, dia 18 de dezembro de 2005, como esquecer? o dia mais feliz da minha vida eu passei nesta casa!

tranquilamente esquecerei muita coisa, é o erro de quem tenta lembrar de tudo e esquece que é impossível. provavelmente, quando o texto estiver pronto e eu for ler, eu lembrarei de muitos outros momentos, como os filmes que vi no quarto de manoel, jadson e roberto, o encontro com uma jovem, negra, magra, linda, no ônibus, com ela sentando ao meu lado e eu todo-todo, perguntando onde ela morava recebendo como resposta a RUA, da conversa de mais de nove horas com rosberg, do melhor companheiro de quarto que alguém poderia ter, do sono leve como uma pena e das vezes que acordei meu outro compa, das estórias de amor compartilhadas entre joyce e eu, da mulher-militante que com certeza dedicará sua vida para a transformação social, das madrugadas compartilhadas com marcio, dos festivais do bagre e da eterna promessa de encontrar o felipão lá, da pertinência das palavras trocadas com salomão, das séries assistidas de madrugada com diego, dado meu primeiro carnaval em olinda-recife graças a renato, também meu companheiro no meu primeiro murro no olho, de como foi divertido morar com reginaldo, filosofia e rafael, das resenhas futebolísticas, especialmente com valdemir e josias, dos irmãos mais disciplinados que conheço.

as diversas lutas que travamos como a que nos garantiu o direito de não pagar mais alimentação, o apoio a ocupação da reitoria em 2007 e o fabuloso desconvite a todos os 'baba-ovo' da reitora para a festa de natal daquele ano, como protesto contra a truculência da reitoria contra nós estudantes, o jornal da RUA que com muito esforço conseguiu sair, infelizmente sem continuidade, sem falar nas assembléias, onde aprendi que podemos sim tomar nossas próprias decisões, errar e voltar a errar, onde votar faz sentido, reuniões instigantes e que me fizeram sempre tentar melhorar minha compreensão crítica. eu não encontrei aqui a atenas que eu imaginava, encontrei muito mais. palavras como bom senso e tolerância ganham um novo significado. imagina um mundo onde todos tenham comida tres vezes ao dia, e não quer dizer que todo mundo vai fazer um pratão, não, cada um vai pegar aquilo que lhe satistaz, pensa num mundo onde as pessoas se reunem e dizem 'bem, agora presicamos de mais computadores, lençois, colchões...' percebe? se isto é possível aqui, porque não espalhar a experiência para o mundo todo?


agradeço também aqueles que sempre dão um duro para manter esta casa e nós: joana, régis e seu pobre botafogo, fernando e seu flamengo, dalmo e seu vasco. lopes, luciel e os imãos moisés e elias, as tias, especialmente tia mazé, nadja, meus amores eternos lili e roberta e minhas mães aqui, tia lili e tia silvana, além dos já citados ‘seu’ josé e felipão.

foram tantas coisas, poderia detalhar cada uma dessas situações, talvez faça isso outra hora, mas, neste momento, venho me despedir e dizer que foi uma experiência insubstituível, introcável, inigualável, e todos os outros “in” que possam deixar claro a importância desta casa na minha vida, que foi o segundo lar onde morei mais passei minhas noites, onde cresci, não só na barriga e no cabelo, mas por dentro, sinto que posso seguir agora, estou pronto para o próximo passo e foi a convivência com vocês, todos vocês que passaram pela minha vida enquanto estive nesta casa, que me fez ter esta certeza. a última palavra aqui só pode ser uma: obrigado!